Dalva Agne Lynch
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Textos
(fig. Arthur Rackam, Brunhilda chora por Siegfried)


Nota introdutória:

Amigos, este texto introduzia um livro que larguei pela metade, porque não gostei mais do meu personagem, que se tornara cruel e destruidor.

Na época, eu estava lendo As Crônicas de Mayfair,  de Anne Rice, e impressionou-me a maneira como ela também deixara de gostar de seu personagem Lasher, e precisou escrever um terceiro livro, Talthos, para redimir seu caráter post mortem.

Então, quando voltei ao pc para continuar minha história, lembrei-me de Lasher e simplesmente larguei o livro pela metade. Dele ficaram alguns textos soltos, sendo este um deles.




Alma Gêmea - uma história de amor



Por toda minha vida eu havia buscado por aquele que fosse meu outro eu. Aquele lado do qual fui separada, no momento da dualização humana, em algum ponto perdido no início do Tempo, quando o homem se fragmentou por buscar fora de si o que já tinha.

Quantos corpos achegaram-se ao meu, em quantos busquei por teu corpo, dançando nos campos de minha mente - naquela dimensão etérea onde as realidades perenes se escondem? Não sei. A vida é tão longa!

Não foste nenhum deles, Amado. Nenhum deles foi parte de mim, minha metade ausente, minha noite sombria e repousante, na qual eu pudesse descansar do fogo selvagem que sou.

É claro que eu sabia. Ah, e por que, dize-me, precisava eu saber? Não poderia, como todas as outras, viver na abençoada névoa da ignorância de mim mesma?

Não. Eu sabia como eras, e que te reconheceria como se reconhece a própria face no espelho, depois de tanto mirá-la nas águas da vida, que é assim tão longa.

Meu desejo não era ser envolvida nos teus braços, mas outra vez fazer parte de ti. Dissolver meu próprio eu na tua essência. Deixar de me ser para nos ser, como havia sido planejado - antes da fundação do mundo.

Cresceste comigo enquanto eu crescia, Amado. Amadureceste comigo nos intrincados das quedas e das realizações, teu corpo mudando com o meu.

De repente, às vezes, tive vislumbres de ti em alguém que passava, em uma foto encontrada em páginas de revistas, em um abraço que pensava ser o teu.

Brincamos juntos sob os arbustos do jardim, dançaste comigo na penumbra de uma discoteca, sentaste ao meu lado no trem, vociferaste comigo nos comícios de estudantes. Viajaste comigo pelo mundo. Viste o nascimento de meus filhos, suas vitórias e suas quedas, e estavas lá, quando eles juraram amor aos seus consortes.

Mas nunca foste mais que um espectro...

E então, Amado, envelheci só. A ilusão e a espera, que juntas se chamam Esperança, esvaíram-se na realidade causticante do tempo.

E então eu te encontrei! Mas dize-me - por que te fui encontrar assim, às portas do Abismo? Contudo vieste, e bem como eu sabia que virias - ninguém poderia ser tão igual a mim, e meu oposto.

Ah, Amado, vieste ao mundo tarde demais! Ou fui eu quem veio cedo demais, na minha ânsia infinita por compleição? Não sei.

Mas minha espera findou, Amado, nesta realidade premente: o tempo do amor passou - enquanto estavas ausente.

E agora que chegas... Amado, é tarde demais...


 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 22/06/2008
Alterado em 21/11/2016
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