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Iom Kippur - O Dia da Expiação
Eu não disse que depois falava sobre Iom Kippur? Pois é. Para quem não leu Rosh HaShanah (www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=1187536 ), meu nome é Benny – Benjamin, na verdade– e tenho 12 anos, quase 13. Estou escrevendo isto a pedido de uma senhora da Rebra, que quer dizer Rede de Escritoras Brasileiras. O nome dela é Joyce Cavalccante, com y e dois cc. Ela ri, porque pronuncio o nome dela com sotaque inglês, e sempre me esqueço dos dois cc do nome dela. Ainda bem que ela ri – já pensou se fosse se zangar? Eu tive um professor... Mas isso fica para outra hora, porque não tem nada a ver. Voltando ao assunto, é por isso (pelo pedido da Joyce, não porque ela não se zanga comigo, se bem que isto ajuda) que dedico este negócio aqui para todas as escritoras da Rebra. Afinal, eu também quero ser escritor depois que fizer 13 anos e já for um homem. Bom. Iom Kippur vem dez dias depois de Rosh HaShanah, quer dizer, no dia 10 do mês de Tishrei, que cai em algum dia de setembro ou outubro. Os meses judaicos são lunares, então não seguem o calendário romano, que é solar. Minha mãe me ensinou isto quando eu era bem pequeno, porque eu me confundia todo. Ah, e nossos dias começam ao pôr do sol, e não ao amanhecer. E já vou avisando que isto aqui vai ser comprido, porque tem muita coisa acontecendo antes e durante Iom Kippur. Véspera de Iom Kippur A verdade é que Iom Kippur começa um dia antes, na véspera (palavra bonita). A gente chama isso de Erev Iom Kippur. Come-se muito em Erev Iom Kippur. Primeiro, porque o dia seguinte vai ser de jejum. Segundo, porque é quando D´us vai perdoar tudo o que a gente fez ou deixou de fazer durante o ano que passou. Meu pai disse que é o contrário, mas... Bom - vamos festejar! E lá vem a minha mãe com a melhor toalha de mesa outra vez (que ela diz ter dado um trabalhão para a empregada lavar depois de Rosh HaShanah). Há duas refeições bem grandes em Erev Iom Kippur. Na primeira, na hora do almoço, come-se peixe, e nada de carne, e outra vez challah com mel. Na segunda não se come nem peixe. Outra coisa que se come – nas duas refeições – é uma espécie de bolinho retangular recheado chamado kreplach, parecido com a hamantash que a gente come em Purim, mas hamantashen são abertas em cima e recheada com doce. Kreplach é fechada, porque simboliza a gentileza com que D´us cobre a Sua severidade. Isto me faz pensar no meu pai, que também é assim. Durão mas bonzinho por dentro. Depois da refeição, tem uma coisa que sempre me faz ficar meio sem jeito. Meu pai coloca a mão sobre minha cabeça e diz: “Que o Eterno te faça como Efraim e Menashe”. Daí ele vai para Hanny, a minha irmã, e diz: “Que o Eterno te faça como Sarah, Rivkah (que é Rebeca), Rachel e Lia”. Eu fico sem jeito porque meu pai sempre chora quando faz isso. Outra coisa que se faz em Erev Iom Kippur é a mikvah, um banho ritual de purificação. Não tem nada a ver com a mikvah da minha mãe, não. A mikvah deste dia é para homens também. E antes de ir para a Sinagoga, acende-se uma vela enorme, que dura 24 horas. Ela se chama lebedik licht, que quer dizer luz para os vivos, e é para a família toda. Mas a gente também acende diversas velas pequenas, uma para cada parente que morreu. Essas velas se chamam yahrtzeit, e minha mãe conta que uma vez ela foi pega viajando no Rio de Janeiro durante Erev Iom Kippur, porque era lançamento de um livro dela, e daí ela foi acender yahrtzeit na sinagoga da Avenida Copacabana. As velas ficavam em uma sala especial, e não eram velas, mas pavios flutuando em óleo. Ela achou bonito e tentou fazer a mesma coisa em casa e daí queimou os dedos, porque o óleo inteiro pegou fogo. É por isto que ficamos com as velas mesmo. No fim do dia e início do próximo, a gente vai à sinagoga, e faz uma oração chamada Kol Nidrei, que é cantada, pedindo que D´us nos liberte de todas as promessas erradas que fizemos durante o ano. O canto é muito bonito, muito solene. Ele foi importante nos dias das Grandes Guerras, quando os judeus eram obrigados a se converter a outra religião. Daí nessa noite eles ficavam livres dos juramentos forçados. Essa oração é um símbolo de união de todos os judeus. O Dia da Expiação Iom Kippur é o dia mais santo do ano. Como eu já disse lá em cima, não se come nada o dia todo, e há muitas orações. Quando eu digo que não se come nada, quero dizer os adultos, porque as crianças e os doentes comem, sim. Minha mãe quer me fazer comer, mas ela pode ir tirando o cavalinho da chuva que não vou, não. Afinal, já tenho 12 anos, quer dizer, sou quase um homem. Vou jejuar com o meu pai. Bom. Nos tempos bíblicos, era nesse dia que o Sacerdote entrava no Santo dos Santos, o lugar onde ficava a Arca e tudo o mais, e daí ele rezava por todo o povo. Daí dois bodes eram trazidos ao templo. Um era sacrificado pelas transgressões de todas as pessoas, e o outro era levado para fora do acampamento, e solto no deserto. Ele é o bode expiatório, que carrega todos os pecados para longe do povo, e é disto que vem a tal expressão “bode expiatório”. Hoje em dia a gente não tem mais os dois bodes, então eles são substituídos por Teffilah (oração) e Tzedakah (caridade). E Teshuvah (arrependimento, retorno), claro. Teshuvah - O Arrependimento Durante todas as orações de Iom Kippur, a gente recita o Viduy, que é uma confissão dos pecados. Enquanto se recita o Viduy, bate-se no peito com a mão direita, enumerando as coisas erradas que se fez durante o ano. A diferença entre o pedido de perdão que a gente faz em Iom Kippur e o pedido de perdão que as outras pessoas fazem, é que a gente não reza só por si mesmo, mas por todo o povo de Israel. A gente pede que D´us perdoe Israel como nação, pelos pecados que fizemos como um povo. Acho isto muito importante, porque quase ninguém quer ser responsável pelas coisas erradas que os governos fazem, e ficam dizendo, ah, isto é culpa do governo! Mas não é. Quando os dirigentes fazem coisas erradas, todo o povo é culpado, porque permitiu. Oy vey, que estou parecendo o meu pai dizendo isto! Neilah - O Fechar dos Portões Iom Kippur termina no pôr do sol, com Havdalah, é claro. Havdalah é a oração que a gente faz no fim de cada Shabbat e cada Iom Tov, Dia Santo. Mas em Iom Kippur a gente reza também uma oração chamada Neilah – o fechar dos portões. Quer dizer, o povo de Israel está fechado na proteção de D´us. O Shofar soa pela última vez, selando o destino de cada pessoa para o ano que se iniciou em Rosh HaShanah, e por alguma razão eu sempre sinto um nó na garganta quando ele soa. O vinho que se toma na Havdalah de Iom Kippur é bem doce. É, até as crianças tomam, sim, se as mães deixam. Minha mãe teve que deixar, porque meu pai lhe lançou um olhar daqueles. Daí tem a challah doce outra vez, que eu gosto demais. Depois da oração, minha irmã e eu avançamos na challah, e não sobra nada. Ah, esqueci de dizer que a gente não usa faca para cortar a challah – a gente corta com a mão. Mas isto é tradição da minha família. Outras pessoas usam faca, sim, muitas vezes uma faca linda, toda trabalhada, usada só para isto. E então o Dia da Expiação de todo o povo de Israel termina. Uma vez perguntei ao meu pai por que as outras nações não possuem um dia de expiação, e ele me explicou que a maioria delas não tem costumes religiosos. Daí eu fiquei pensando, puxa, talvez o mundo pudesse ser bem melhor, se todos os países tivessem um dia só para pensar nas coisas erradas que fizeram, e para pedir que D´us ajude a todos a serem melhores. Talvez daí não houvesse tanta guerra e tanta maldade. Quando eu disse isto para meu pai, ele colocou a mão na minha cabeça e disse que eu não deveria crescer. Eu arregalei os olhos e perguntei o que ele queria dizer, e ele explicou que o mundo seria muito melhor se as pessoas tivessem um coração de criança. Não entendi nada. Não sou mais criança, sou quase um homem! Bom - se você quer ler mais sobre Iom Kippur, veja o que Rivkah Cohen, uma amiga da minha mãe, escreveu. É muito bonito, e explica um monte de coisas complicadas que meu pai disse que eu vou entender quando crescer. Que coisa, como se eu fosse um menino! O endereço do texto dela é www.rivkah.com.br/tradicoes/yom_kipur.htm Minha mãe também escreveu um conto sobre Iom Kippur, que foi premiado na Austrália e em Israel, e ela vai colocar aqui pra você. Só que ela não me deixou ler... Que coisa! O conto está nesta página aqui: www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=1190866
Fig: Jacob Kramer, "Day of Atonement"
Site oficial da autora: http://www.dalvalynch.net
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 22/09/2008
Alterado em 10/10/2016
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