Dalva Agne Lynch
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English version after the one in Portuguese


ABANDONO
 
₢ Dalva Agne Lynch
 
 
Diz Eleanor Rigby, a famosa canção dos Beatles:
 
Veja toda essa gente solitária...
 
Eleanor Rigby colhe o arroz na igreja onde houve um casamento
Vive num sonho
Espera à janela, vestindo o rosto que guarda numa vasilha perto da porta
Para quem será?
 
Ah, veja toda essa gente solitária -
De onde vieram elas?
Qual será o seu lugar?"
 
Padre McKenzie, escrevendo as palavras de um sermão que ninguém vai ouvir
Ninguém se aproxima
Veja-o cerzindo suas meias de noite, quando não há ninguém
Por que ele se importa?
 
Ah, toda essa gente solitária...
De onde vieram elas?
Qual será o seu lugar?
 
Você alguma vez já se sentiu assim? Já sentiu comiseração pelo mendigo deitado na soleira de uma porta só porque ele parecia um retrato de seu coração? Já sentiu piedade da mulher sentada na calçada imunda, pedindo esmola com o filho ao colo, só porque, lá no fundo, você também se sentia assim?
 
Não há sentimento mais devastador do que o abandono. Seja por morte, por deserção de um companheiro, por descaso de familiares ou amigos, o abandono lança a pessoa em uma ilha de solidão, e ela varre o horizonte com os olhos, em busca de um socorro.
 
Se você já se sentiu assim, se você alguma vez chegou naquele ponto em que até os céus parecem silenciosos, e por mais pessoas que tenha ao seu redor, a sensação de isolamento não diminui - então eu lhe proponho fazer um exercício que pratico há muitos e muitos anos, e que, por sinal, me valeu a crítica de muitas pessoas que me amam, mas que não entendem a razão pela qual faço o que faço.
 
Pois bem, vamos a ele:
 
Amanhã, quando você estiver no ônibus, no metrô, na fila do banco ou do caixa de uma loja, olhe para a pessoa que estiver mais próxima a você, não importa o sexo, a idade, a aparência. Olhe-a, sorria e diga-lhe algo corriqueiro, sem importância, como comentar no tamanho da fila, no tempo de espera, no calor do ônibus ou do metrô.
 
Talvez a pessoa a quem você se dirigiu pareça sair de um transe, e, de repente, você está conversando com ela sobre as coisas mais variadas, e se esqueceu de que estava sozinho. Ou talvez a pessoa não lhe responda, e encare você como se você fosse alguma espécie de lunático. Bom - sorria assim mesmo. Pode ser que aquela pessoa esteja se sentindo tão solitária quanto você. Pode ser que ela esteja em sua própria ilha particular, gritando por socorro. E seu sorriso gratuito, sua voz falando de coisas banais, talvez seja o barco salva-vidas que ela precisava. Ao mesmo tempo, este é, na verdade, o seu próprio barco salva-vidas.
 
Ninguém, amigo ou amiga, vai tirar você de sua ilha de abandono. Por favor páre de esperar por um socorro, um salvador, um cavaleiro em armadura de prata ou uma donzela amorosa. Mesmo que não se aperceba, você mesmo é seu socorro, você é seu salvador. Você tem em si toda a armadura que precisa, todo gesto amoroso pelo qual anseia. E a única maneira de fazer com que o herói dentro de você se levante e resgate a você da solidão do abandono, é levantar-se e resgatar alguém mais, mesmo que seja por alguns poucos momentos. E isto porque, enquanto você mitiga a solidão de outra pessoa, a sua própria solidão se esvai. Por mais simplística que possa parecer, a oração de São Francisco de Assis é a chave para a reconstrução de sua vida: "É dando que se recebe".
 
Todos nós somos iguais, apenas nos cobrimos com máscaras diferentes, e passamos por nossas provas em momentos diferentes. O egocêntrico ou egoísta parece ser feliz e despreocupado apenas porque você o vê fora de seu momento de solidão. É bem possível que o egoísmo, ou egocentrismo, seja apenas uma máscara. Assim, aconteça o que acontecer, apenas levante os olhos, desde a solidão de sua ilha, e faça dela um refúgio para alguma outra pessoa perdida nas ondas do abandono. E de repente, amigo ou amiga, a compreensão de seu próprio abandono fez de você um salva-vidas, e sua ilha se transformou em um farol.
 
É claro que este exercício não vai lhe trazer nenhuma alegria duradoura, muito menos perpétua. Você vai precisar repeti-lo vez após vez, até que ele se transforme em um modo de vida, e você se volte e fale com um estranho não mais porque a solidão lhe dói, mas porque sair de sua ilha se transformou em sua segunda natureza.
 
Sim, você vai receber muita crítica. É o que acontece comigo. "Ah, ela fala com todo mundo! Que coisa mais estranha!" Mas não será que isto não é bem melhor do que o silêncio da solidão e do abandono? E o melhor de tudo é que você terá uma resposta à pergunta da canção: "Veja toda essa gente solitária - de onde vieram elas? Qual será o seu lugar?"
 
A resposta é que elas, assim como você, vieram da solidão do abandono. E o lugar delas deve ser no círculo de luz do calor humano, mesmo que só por um momento.  E talvez, amigo ou amiga, essa luz possa ser você. Basta apenas fazer de sua ilha um farol.
 
Por que não experimentar?


ENGLISH VERSION
 
 
ABANDONEMENT
 
₢ Dalva Agne Lynch
 
 
The famous song Eleanor Rigby, by The Beatles, says:
 
Ah, look at all the lonely people...
 
Eleanor Rigby picks up the rice in the church where a wedding has been,
Lives in a dream
Waits at the window, wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?
 
All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?
 
Father McKenzie writing the words of a sermon that no one will hear
No one comes near
Loot at him working darning his socks in the night when there´s nobody ther
What does he care?
 
Ah, look at all the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?
 

Did you ever feel like that? Did you feel pity for the beggar by the door just because he seemed like a portrait of your own heart? Did you feel pity for the woman seated on the filthy gutter asking for money with her child just because deep inside you felt like that?
 
There´s no worse feeling than abandonement. Be it by death, desertion of a mate, family members or friends, abandonement throws one in an island of loneliness, and he or she sweeps the horizon with his gaze searching for rescue.
 
If you´ve felt like that, if you ever came to that point in which even heavens were silent and the feeling of isolation wasn´t mitigated even when you´re surrounded by people, then I suggest you to practice an exercize I´ve been doing for several years, and which has caused me the criticism of even the ones who love me, because they don´t understand the reason of what I´m doing.
 
Well, it goes like that:
 
When you´re in the bus or subway tomorrow, or at the line in the supermarket or bank, look at the person closest to you, no matter his/her gender, age or appearance. Look at him or her, smile and say something commonplace, like the lenght of the line, the time of waiting, the heat or cold inside the bus or subway.
 
Maybe the person  you talked to would look like coming out or a transe, and sudenly you´re talking to her about several things and you completely forget you were alone. Or maybe the person don´t even answer you and look at you as if you were crazy. Well, smile anyway. Maybe she´s feeling as lonely as you. Maybe she´s in her own private island asking for help, and your smile and your voice talking of things could be the life-saving boat she needed. At the same time, that is your own life-saving boat.
 
Friend, no one will get you out of your island of abandonement. Please stop waiting for help, for a savior, a knight in silver armor or a loving damsel. Even if you don´t see it, you are your own help, you are your own savior. You have in you all the armor you need, all the lovingkindness you yearn for, and the only way to get the hero inside you to get up and rescue you from the loneliness of abandonement is to get up and rescue someone else, even if just for a few brief moments, because it´s while you mitigate someone´s loneliness that your own goes away. Saint Francis´ prayer is the key to your life´s reconstruction, even if you think it´s so simplistic: "It´s giving that you receive".
 
We are all alike, we just cover our faces with different masks and go through our battles on different times. The egocentric or self-centered person looks happy and carefree only because you´re not seeing him on one of his lonely times. It´s very possible that selfishness and egocentrism are just a mask, so whatever happens, just look up from the loneliness of your island and make it a refuge to someone else. And then the understanding of your own abandonement can make you a life-saver and your island becomes a beacon, a light-house.
 
Of course this exercize will bring you no permanent happiness. You´ll need to keep on repeating it time and again, until it becomes a way of life and you´ll turn around and talk to a stranger not because your loneliness hurts you, but because getting out of your island became your second nature.
 
Yes, you´ll receive lots of criticism. That´s what I get! "Ah, she talks to everybody, it´s so embarassing!" But isn´t it better than the silence of abandonement? And the best is that you´ll get an answer to the song: "All this lonely people - where do they all come from? All this lonely people - where do they all belong?"
 
The answer is that just like you, they came from the loneliness of abandonement. And they belong in the circle of light of love, even if just for a moment. And friend, maybe you could be that light. All you have to do is to make a beacon of light out of your own island of abandonement.
 
Why not try it?
 
 
 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 30/06/2012
Alterado em 09/08/2012
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