English Version after the Portuguese text
"Um solitário é como um poço profundo. É fácil lançar nele uma pedra; mas se a pedra vai ao fundo quem se atreverá a tirá-la? Livrai-vos de ofender o solitário; mas se o ofendestes então, matai-o também!” Friedrich Nietzsche
Resgate
₢ Dalva Agne Lynch
Ela era pequena e magrinha, com olhos inteligentes brilhando por detrás de grandes óculos de lentes grossas. Aqueles óculos eram motivo de muito riso e muitas piadas na escola, então ela se encolhia em um canto com um livro, e de repente não estava mais lá, no meio do riso e das piadas. Estava em alguma terra mágica, onde dragões, unicórnios, elfos e fadas eram mais reais que o mundo que lhe diziam ser real.
Em casa, o irmão e a irmã, ambos mais velhos que ela, não tinham muita paciência com sua mania de ficar falando sozinha com suas bonecas.
"Mas elas me respondem", dizia ela.
"Maluca! Doida!
A mãe corria para ver o que estava acontecendo, e se zangava com ela.
"Ninguém gosta de criança esquisita! Vai brincar com seus irmãos e deixe de ser boba!"
Talvez fosse por isso, então, que ninguém gostava dela na escola... Porque era esquisita. Maluca. Doida. Mas ela não se achava maluca. Era só fechar o mundo lá fora, e fazer de conta que estava entre as páginas de seus livros.
Um dia especialmente doloroso na escola, ela estava fugindo de alguns garotos que a perseguiam com um coro de "olha lá a quatro-olho!", e se escondeu em uma sala que parecia estar vazia.Havia pilhas e pilhas de livros no chão, então ela se escondeu no meio deles. Depois de algum tempo, resolveu dar uma espiada em um dos livros, e logo estava vivendo na história. Nem ouviu a sirene tocar, anunciando o fim do recreio. Quando finalmente terminou de ler, a escola já estava deserta. Escondeu o livro embaixo do casaco, pegou a mochila e caminhou de volta à casa.
Naquela noite, depois que sua mãe apagou a luz, ela esperou que os irmãos dormissem. Daí levantou-se, cuidando para não fazer barulho, e abriu a janela. A lua estava bonita, cercada de estrelas! Pegou o livro que trouxera da escola e sentou-se no peitoril da janela. Sussurrou baixinho:
"Você está aí? Se está, podia vir me buscar?"
Então seu rosto se abriu em um grande sorriso. Com um suspiro de alegria, estendeu os braços e debruçou-se em direção à noite.
Encontraram-na no outro dia pela manhã. Os cabelos espalhados nas pedras da calçada, os óculos quebrados ao seu lado. Mas havia um misterioso sorriso no seu rosto fino.
Mais tarde, preenchendo a papelada na Central, o policial que a encontrara escreveu:
"Encontrados junto ao corpo: um par de óculos de leitura e o livro Peter Pan, de John Barrie."
English Version:
“Like a deep well is the solitary. Easy is it to throw in a stone: if it should sink to the bottom, however, tell me, who will bring it out again? Guard against injuring the solitary! If ye have done so, however, then, kill him also!” Friedrich Nietzsche
Rescue
₢ Dalva Agne Lynch
She was small and thin with bright intelligent eyes behind big thick glasses. Those glasses were the cause of much mockery and jokes at school, so she´d hide in a corner with a book and suddenly she was no longer there, in the midst of all that mockery and jokes. She was in some magical land, where dragons, unicorns, elves and fairies were more real than that world she was told to be real.
At home, her brother and sister, both older than her, had little patience with her habit of talking alone with her dolls.
"But they answer me," she´d say.
"Wacky! Crazy!"
Her mom´d ran to see what was happening, and get very angry with her.
"Nobody likes weird children! Go play with your brothers and stop being silly!"
Perhaps that ´s why nobody liked her at school ... Because she was weird. Wacky. Crazy. But she didn´t think she was crazy. She could just shut out the world and pretend she was between the pages of her books.
One especially painful day at school, she was running away from some boys who chased her with a chorus of "look at the 4-eyes!" and hid inside an empty room. There were stacks and stacks of books on the floor, so she hid behind them. After some time, she decided to take a peek at one of the books, and was soon living in the story. She didn´t even hear the bell announcing the end of recess. When she finally finished reading, the school was already deserted. She hid the book under her jacket, grabbed her backpack and walked back home.
That night, after her mother turned out the lights, she waited until her brothers slept. Then she got up very carefully so as not make any noise, and opened the window. The moon was beautiful, surrounded by all the stars! She picked up the book she had brought from school and sat on the window sill, and softly whispered:
"Are you there? If you are, can you come and get me?"
Then her face broke into a big smile. With a sigh of joy, she stretched her arms and leaned toward the night.
They found her on the next morning, hair spread on the sidewalk´s stones, her broken glasses beside her. But there was a mysterious smile on her thin face.
Later, filling out the paperwork at the Central, the policeman who found her wrote:
"Found next to the body: a pair of reading glasses and the book Peter Pan, by John Barrie."