NÃO HÁ OCEANO ONDE MORO...
© Dalva Agne Lynch
Não há oceano onde moro.
E por que seria tão importante não haver oceano onde moro?
A importância do oceano está na grandeza que traduz
Quando o que nos cerca é ínfimo e vil e cheira a desumanidade
Nos sacos de lixo onde crianças se repastam
E nas soleiras de portas onde mulheres cansadas se vendem
Pelo preço de um litro de leite e um bocado de pão.
E não há nada, absolutamente nada, que eu possa fazer.
Nem mesmo um oceano onde possa afogar a realidade.
Então coloco-a em versos, em livros que talvez nunca sejam lidos
E que tento vender por serem a única coisa que tenho
Como a mulher cansada que se vende nas soleiras de portas
Seu único bem sendo seu próprio corpo.
E que bem seriam meus versos, que falam da realidade das coisas
Quando os homens buscam afogar a realidade das coisas?
Por isto é tão importante não haver oceano onde moro.
Apenas cimento e asfalto e homens empedernidos
Que compram amor pelo preço do leite e do bocado de pão
E nada lhes sobra para comprar poesia.
Se houvesse oceano onde moro
Talvez alguém lesse meus versos. Ou talvez não.
Mas não há oceano onde moro.
Apenas o coração empedernido do homem que compra corpos
Enquanto crianças se repastam no lixo
E mães cansadas se vendem
Ou escrevem
Para comprar-lhes pão.