Era sua primeira manhã em Paris. Pediu o desjejum e sentou-se na varanda de sua suíte, na cobertura do hotel, de onde podia ver a Torre Eiffel em toda sua glória.
Ela já conhecia muito bem a cidade, e fez mentalmente o programa de seu primeiro dia. Enquanto se debatia sobre onde almoçar, foi ler as mensagens no WhatsApp. Sua melhor amiga lhe perguntara como fora a viagem. Ela respondeu rapidamente e ia desligar, quando mudou de ideia. Buscou por aquele nome na lista de seus amigos e deletou-o. Entrou no Facebook e bloqueou seu nome e todas as suas páginas.
Pronto. Agora não ficaria mais como idiota esperando um contato que jamais viria. Deveria ter feito aquilo meses atrás, mas faltara-lhe coragem. A coragem viera, fruto do riso sarcástico daquela mulher linda, jovem e vulgar que lhe tirara o sossego. A namorada. A rival.
As boas intenções duraram apenas duas horas. Antes de sair para caminhar ao longo do Sena, desbloqueou tudo outra vez.
Debruçou-se na murada, olhando as águas. Não adiantara vir a Paris. Trouxera-o dentro de si.
“Talvez seja porque criei uma mentira”, pensou. “Acho que me deixei levar por fofocas, e só para esconder o quanto me sentia como idiota por cair por um sujeito tão jovem.”
Talvez ele não tivesse querido se explicar simplesmente porque não havia nada a explicar. Porque as acusações de seus amigos haviam sido verdades distorcidas, e ela as aceitara para esconder a vergonha. Vergonha de ter, mesmo por um pouco, pensado que poderia competir com aquelas belas mulheres. “Não sou bela nem jovem. Foi puro despeito.”
Mas ele não devia ter lhe dado cantada. Não depois de meses de amizade despreocupada, de intermináveis conversas. Antes que ela fizesse o papelão de se apaixonar. Ele tinha todas aquelas lindas mulheres. Ela não tinha ninguém.
“Você acredita em reencarnação?”
“Claro! Isso é central na minha religião. Por isso colocamos os nomes de nossos antepassados mais honrados nos nossos filhos – para que eles renasçam outra vez. Por quê?”
“Porque eu sinto que estivemos juntos em outras encarnações. Vez após vez. Mas sempre alguma coisa aconteceu...”
Ela riu. “Você está me dando cantada, menino? Se está, pode parar. Você deveria dar cantada na minha filha – ela tem a sua idade e é linda.”
Ela lhe mandou a foto da filha.
“Ela é linda, mas não é você. Você tem tudo o que eu sempre busquei numa mulher, mas você não me esperou.”
“Como assim?”
“Você veio cedo demais. Você não esperou por mim para nascer. E agora estou sozinho e com frio...”
Se aquilo era cantada, fora a melhor cantada que já recebera. Ela jogou por terra todas as objeções e caíra como se fosse uma menina.
As águas escuras e poluídas do Sena não podiam refletir seu rosto, mas, se pudessem, refletiriam sua expressão atônita.
Por que ele fora lhe dar cantada? Podiam ter sido amigos. Ela reagira de forma desproporcional à besteira dele, com uma besteira maior ainda. Acreditando nas histórias dos amigos. Era a única maneira de se proteger de si mesma, da vergonha que sentia. Mas por que ele fora lhe dar cantada?
Ok, então talvez ele não fosse um gigolô, como afirmaram seus amigos. Talvez a cantada fora porque, de alguma maneira, ela deixara transparecer o que sentia por aquele artista desgrenhado, que conseguira manter sua atenção por horas a fio com seus comentários e ideias.
Agora ele não era mais um artista desgrenhado. A namorada o transformara naquele boneco bonito, bem articulado e sarcástico que ela não conhecia. O homem por quem se apaixonara não existia mais.
Voltou lentamente ao hotel, tomou um banho e vestiu-se para ir às compras. Talvez aqueles sapatos Chanel que vira na revista de shopping no avião lhe desanuviassem os pensamentos. Ou mudar de penteado. Ou...
De repente sorriu, jogou a cabeça para trás e aprumou as costas. Deixaria o amor para os dois, que eram jovens e belos.
“Afinal, estou em Paris! Melhor sentir vergonha às margens do Sena, do que brincar de amor às margens do Tietê!”
Ainda sorrindo, saiu da suíte, bateu a porta atrás de si e caminhou em direção à mais romântica cidade do mundo. Pensando bem, partiria dali para Florença. E depois para Roma... A vida merecia ser vivida no total.