Dalva Agne Lynch
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English version after the one in Portuguese



Amor na melhor idade 8 – Solidão

 
 

 

Ela retornara a São Paulo com pesar. Gostaria de ter ficado na beleza e paz das montanhas Dolomitas, em San Nazario. Contudo, trouxera aquela paz consigo, e estava feliz de estar outra vez com suas plantas e seus cachorrinhos. “Dizem que é preciso pelo menos duas pessoas para formar uma família. Mas uma e seus animaizinhos também formam uma família!”
 
Sentou-se à janela, admirando as árvores da calçada, bebericando uma taça de vinho e deixando os pensamentos rolarem.
 
Ela viajara para esquecer sua decepção amorosa, e retornara com uma visão mais ampla de si mesma e do mundo. E, com essa visão, viera o entendimento. “E agora que não tenho mais o escudo protetor da decepção e do rancor, meu querido, vejo você com outros olhos. De tudo o que pensava e sentia, só me ficou o amor.”
 
Afastou o pensamento com um gesto da mão. Já lhe havia esgotado todas as facetas, e nada de novo acontecera para alimentá-lo.
 
Contudo, havia muito para alimentar sua própria percepção. “Nada ocorre por acaso. Tudo é uma lição de vida e uma oportunidade de crescimento espiritual e intelectual.” Pela primeira vez, sentiu-se agradecida por tudo o que experimentara. Agradecida por tê-lo conhecido e se apaixonado.
 
Maria lhe dissera, “Ricco me fez mais jovem nos meus interesses, e eu o fiz mais maduro em suas ideias.” Provavelmente o oposto era também verdadeiro – Ricco a fizera mais jovem em suas ideias, e Maria o fizera mais maduro em seus interesses. E ela percebeu que a chave de tudo estava bem ali.
 
Pelo que podia observar, os relacionamentos de sua geração começavam com uma atração, depois se desenvolviam em conversa, namoro, conhecimento mútuo. Enquanto isso, a parte física era toda uma gama de emoções: o primeiro toque, o primeiro beijo, a primeira exploração.
 
Os relacionamentos da nova geração que se seguira, a geração dele, tomara outro rumo: primeiro vinha a atração, seguida imediatamente do sexo – e só depois, se o sexo fosse satisfatório, desenvolviam-se as conversas e o conhecimento mútuo. Talvez os dois fossem morar juntos por um tempo, para ver se conviviam bem. Caso contrário, simplesmente seguiam cada um o seu caminho, sem olhar para trás.
 
Aquilo era um mundo novo para ela. Nunca pensaria em se jogar em sexo sem compromisso – sem amor, sem relacionamento, apenas para “experimentar”. Será que isso a tornava uma mulher “antiquada”?
 
Resolveu fazer uma experiência e perguntar, a amigos e amigas, o que eles pensavam a respeito. As respostas confirmaram o que ela pensava: os mais velhos concordavam com ela, os mais jovens achavam que namoro era pura perda de tempo. “Se vocês não se acertam na cama, não se acertarão em mais nada. Não existe amor sem sexo.”
 
“Existe”, pensou ela. “Noventa por cento do amor vem da admiração, do respeito, da alegria compartilhada. Ninguém passa a maior parte do tempo fazendo amor.”
 
Além disso, depois do conhecimento mútuo, da admiração mútua, a realização do contato físico atinge uma dimensão quase divina, o que não acontece no sexo sem compromisso. Ele não é apenas “uma transa”, como diziam seus amigos mais jovens. É uma experiência transcendental.
 
“E sim”, pensou ela. “Você pode amar alguém sem que jamais se aproximem fisicamente. Isto é a base de toda a poesia e de toda a Arte. A Arte se compõe de contemplação e anseios, traduzidos em sons, formas, cores, dança, teatro. Não há Arte sem emoção, mesmo quando se traduza em uma negação dessas mesmas emoções.”
 
Transformar uma atração em puro sexo sem compromisso lhe parecia uma profanação de tudo o que é belo, mas, aparentemente, as gerações mais jovens não viam assim. Talvez fosse por isso que grande parte da música, da dança e do cinema atual fosse apenas uma glorificação do sexo.
 
Contudo, o que podia entrever nessa nova geração era uma sede imensa por significância, por beleza, por sensibilidade. Nunca a poesia fora tão disseminada. Na verdade, quase todo jovem que conhecia se derramava em poemas, alguns muito belos – e todos pedindo por mais sentido em suas vidas. Nunca os grandes Mestres haviam sido tão invejados, e ao mesmo tempo tão desdenhados. Os jovens, incapazes de atingir aquele grau de sensibilidade devido à sua incapacidade de vivê-la, e sem a tenacidade necessária para desenvolver suas técnicas, perdiam-se em meros sonhos, ou criavam músicas, pinturas e danças de desencanto e depressão.
 
Ao dispensar o amor como algo mais além de sexo, eles haviam criado para si um abismo intransponível de solidão.
 
Quantos meninos e meninas já lhe haviam confiado que, apesar de suas inúmeras “transas”, sentiam-se eternamente insatisfeitos e sozinhos? Todos.
 
“Não, acho que não sou antiquada. Mesmo agora, ainda nas tramas da tristeza, não me sinto solitária, ou deprimida, ou desiludida. Sinto-me mais completa.”
 
Ela se levantou de sua cadeira à janela e foi colocar a taça vazia na cozinha.
 
“Posso estar sem você, meu amor, mas nunca serei solitária, e nunca estarei sozinha. Meu amor por você me complementa. Enquanto isso, com toda sua juventude, com tantas mulheres lindas ao seu redor, com toda a excitação e os prazeres que elas lhe proporcionam, você está mergulhado em solidão... Meu amor, tenho tanta pena de você...”
 
 

English Version:
 
 
 
Love at the best age 8 – Loneliness



 
She had returned to São Paulo with regret. She wished she had stayed in the beauty and peace of the Dolomite mountains in San Nazario. Yet she had brought that peace back with her, and she was happy to be again with her plants and her dogs. "They say it takes at least two people to form a family. But one person and her little animals also make a family!"
 
She sat by the window, watching the trees on the sidewalk, sipping a glass of wine and letting her thoughts roll.
 
She had gone on that journey to forget her disappointment in love, and had returned with a broader view of herself and the world. And with that vision came understanding. "And now, my dear, that I no longer have the protective shield of disappointment and bitterness, I see you with different eyes. Of everything I´ve thought and felt, only love remains."
 
She pushed the thought away with a wave of hand. She´d exhausted all its facets and nothing new had happened since then to feed it.
 
However, there was much to feed her own perception. "Nothing happens by chance. Everything is a lesson of  life and an opportunity for spiritual and intellectual growth." For the first time, she felt grateful for what she had experienced. Grateful to have met him and fallen in love.
 
Maria had told her, “Ricco made me younger in my interests, and I made him more mature in my ideas." Probably the opposite was also true – Ricco had made her younger in her ideas, and Maria had made him more mature in his interests. And she realized that the key to everything was right there.
 
As far as she could see, her generation´s relationships began with an attraction, then developed into conversation, courtship, mutual acquaintance. Meanwhile, the physical part was a whole range of emotions: the first touch, the first kiss, the first exploration.
 
The next generation´s relationships, his generation, had taken another turn: first came the attraction, immediately followed by sex – and only afterwards conversations and mutual knowledge developed, and just if the sex was satisfactory. Maybe the two of them would live together for a while, to see if they were compatible. Otherwise, they´d simply go their own way without looking back.
 
For her that was a whole new world. She´d never think of sex without commitment - without love or a relationship, just as an "experiment." Did that make her an "old-fashioned" woman?
 
She decided to investigate, asking friends what they thought. The answers confirmed what she was thinking: the older ones agreed with her, the younger ones thought dating was a waste of time. "If you don´t hit on in bed, you´ll not be compatible in anything else. There is no love without sex."
 
"There is," she thought. "Ninety percent of love comes from admiration, from respect, from shared joy. Nobody spends most of the time making love."
 
Moreover, after mutual knowledge and admiration, the physical contact reaches a dimension almost divine, which doesn´t happen in sex without commitment. It wasn´t just “hitting on", as her younger friends said. It was a transcendental experience.
 
"Yes," she thought. "You can love someone without ever having a physical contact. That´s the basis of all poetry and all Art. Art is made of contemplation and yearnings, translated into sounds, forms, colors, dance, theater. There is no Art without emotion, even when it´s translated into negating all those emotions."
 
Transforming attraction into pure uncompromised sex seemed to her as a desecration of all that was beautiful, but the younger generation apparently did not see it that way. Perhaps that was why much of today's music, dance, and movies are merely a glorification of sex.
 
Yet what she could perceive in this new generation was a great thirst for significance, for beauty, for sensitivity. Poetry had never been so widespread. In fact, almost every young person she knew poured his or her soul into poems, some of them very beautiful – and everyone of them crying for more meaning in their lives. Never had the great Masters been so envied and yet so disdained. Unable to reach that degree of sensitivity because of their inability to live it, and without the necessary tenacity to develop techniques, the younger generation got lost in mere dreams, or created songs, paintings and dances full of disenchantment and depression.
 
By dispensing love beyond sex, they had created for themselves an insurmountable abyss of loneliness.
 
How many boys and girls had confided how dissatisfied and alone they felt despite their innumerable "hitting on"? All of them.
 
"No, I´dont think I'm old-fashioned. Even now, still submerged in sadness, I´m not lonely or depressed, nor disillusioned. I feel more complete."
 
She rose from her chair by the window and went to put her empty glass in the kitchen.
 
"My love, I may be without you, but I'll never be lonely, I'll never feel alone. My love for you complements me. Meanwhile, with all your youth, with so many beautiful women around you, with all the excitement and pleasures they give you, you are submerged in solitude... My love, I'm so sorry for you..."
 
 
Picture: Ashley Simmons-Bayley and her husband Steven Bayley, Venetia, 2016

 

Capítulos de "Amor na melhor idade":

1 - O Início - The Beginning
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5796098

2 - Transformação - Transformation
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5828297

3 - A Rival - The Rival 
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5832665

4 - Vergonha - Shame
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5853797

5 - À Beira da Piscina - By the pool
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5854619

6 - O Campo de San Nazario - The Camp of San Nazario
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5885000  

7- Amor ou ridículo? - Love or Ridicule?
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5888217

8 - Solidão - Loneliness

http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5892472

9. Amor na era do medo
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5896710
 

10. Despedidas 
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5911689
 
11. Desfecho
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5959256

 

 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 25/01/2017
Alterado em 03/04/2017
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