Dalva Agne Lynch
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Textos

O peixe desenhista
 
Um amigo me enviou um vídeo muito interessante sobre um peixe das profundezas do oceano chamado pufferfish, ou o “peixe soprador”, conhecido também como baiacu. Esse vídeo me deixou pensando...
     Em toda a natureza animal, não é a fêmea das espécies que é bonita, mas sim o macho. Ele é o que tem as cores, o porte, a arte, o canto, a saúde. A fêmea é quase sempre sem graça. 
     A razão é que a beleza do macho é o fator primordial para que a fêmea o receba no acasalamento. Quer dizer, a beleza e saúde do macho é sua arma de conquista. 
     Pois o pufferfish escapa a essa regra. Ele não tem nada de atrativo. Ele é cinzento e feio e atrai a fêmea não por suas características físicas, mas... por sua Arte. 
     Veja bem: o pufferfish não guerreia com outros pela posse da fêmea, nem tampouco fica se exibindo. Não – o pufferfish desenha círculos matematicamente elaborados no solo arenoso dos oceanos, usando não seu sopro, como seu nome poderia indicar, mas suas barbatanas. E quando o desenho está terminado, ele se coloca bem no seu centro – e espera. A fêmea, atraída pelo círculo, vem até ele. Mais tarde, é ali que ficarão os ovos, protegidos pelo desenho.
      Assistindo àquele vídeo (o link está ao fim deste texto), fiquei pensando em quanto o pufferfish se assemelha ao artista humano. O artista, seja homem ou mulher, atrai e conquista através de sua Arte – enquanto que ele mesmo fica à sombra dela.
      Sempre digo que toda verdadeira obra de Arte é maior que seu autor. Na maior parte das vezes, o autor é alguém irascível, irrequieto, cheio de manias e problemas, vícios e desequilíbrio. Desafio você a pensar em só um pintor, desenhista, escritor, escultor, músico, dançarino, que escape a isso. Não há dentre eles uma só doce alma suave e sorridente.
     Pense em Wagner. Van Gogh. Barishnikov. Fernando Pessoa. Então você imediatamente pensa em Pablo Neruda e exclama, “Veja, ele era feliz, rico, simpático, bem casado e bonito!”
      Era, sim. E era também um vigarista de marca maior, capaz de comprar honras e prêmios, e de usar seu poder e influência como político e diplomata para seu próprio benefício literário. É, sim, ele era um vigarista. Mas um vigarista de enorme talento. Como todos os demais.
      A conclusão? Cuidado ao se apaixonar por um artista, a menos que esteja disposto ou disposta a viver à sombra da sua Arte, como ele ou ela mesmo vive.
      Afinal, somos todos pufferfish...


https://www.youtube.com/watch?v=IO-NI7qbUrM

 
 

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 05/03/2017
Alterado em 11/02/2024
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