A caracterização de um enredo- Chaim Potok e A Batalha pelas Florestas
Não descrevo paisagens ou cenários nas minhas histórias ou livros, a menos que os mesmos sejam personagens do enredo, quer dizer, tenham um peso na trama.
Disseram-me que isto era uma falha minha. Apontaram-me escritores do passado. Contudo, passei dezenas de anos tentando "escrever os livros que eu gostaria de ler", como disse Tolkien. E os livros que eu gostaria de ler são aqueles que deixam a imaginação do leitor criar parte da história, sem ser guiado pelo autor.
Assim, se o personagem caminha por uma rua da cidade, a história não descreve a rua, ou a cidade. O leitor pode visualizá-los segundo sua própria imaginação.
Contudo, foi apenas quando descobri os livros de Chaim Potok que me dei conta do segredo de escrever assim - e comecei a desenvolver o que descobrira. Mas quem leu minha trilogia O Herói vai dizer que estou maluca - nem em estilo, nem em trama, tampouco em conteúdo e matéria, o que escrevo se assemelha, mesmo remotamente, ao trabalho de Potok.
Pois então deixe-me explicar:
O livro mais conhecido de Potok, O Escolhido, consegue transmitir todo o desespero de um Povo sobrevivente do Holocausto, a sua batalha para sobrepujar todas as forças contrárias, e o desabrochar de suas capacidades criativas em todos os ramos das Ciências, da Tecnologia e das Artes. E Potok fez tudo isso sem descrever nada disso. Ele apenas cita que o personagem é neto de um sobrevivente do holocausto e, a partir daí, descreve apenas as ações e reações de seu personagem, e as ações e reações dos que o cercam.
Se o personagem estava em um parque de diversões, ou numa feira de arte, Potok não descreve quaisquer dos dois. Mas você, o leitor, pode ver a sua própria versão de um parque de diversões ou uma feira de arte, porque tanto um quanto a outra não interessam à história em si - o personagem poderia estar em qualquer feira do mundo, em qualquer parque do mundo, que não mudaria a história. Então, você, o leitor, tem a liberdade de criar o cenário baseado em sua própria perspectiva do mundo, e você passa a fazer parte da trama.
O importante, nesse tipo de história, não é o cenário. É a complexidade de sentimentos e a singularidade de reações do personagem. Em "O Escolhido", bem como sua continuação, "Meu Nome é Asher Lev", o personagem de Potok representa todo um Povo, o Povo Judaico, vivendo pelo mundo no após guerra. A história se passa em Nova York, mas não descreve Nova York. Para situar o personagem, ele apenas o coloca entrando e saindo de um duplex marrom, as famosas "brown houses" do mais conhecido bairro judeu no Brooklyn. Quer dizer, ele era um descendente de sobrevivente do Holocauso - representando todos os sobreviventes e todos os descendentes do Holocausto. Quer dizer, ele representa a Neshamah, a alma do Povo Judaico.
Voltando às minha próprias histórias, meu assunto, no Batalha pelas Florestas, não foi o mundo pós-Holocausto, mas sim a luta do povo brasileiro contra a corrupção dos poderosos e dos políticos. O brasileiro inocente, que cresce e de repente desperta para a realidade suja que o cerca. No meu livro, ele é representado por uma menina Indígena de 13 anos. E ela representa não apenas o Brasil no que ele tem de mais puro e mais batalhador, mas também a humanidade.
Meu segundo personagem, que aparenta ser um menino Judeu de 13 anos, é, na verdade, um Arcanjo, e representa não apenas o Povo dos Céus - Arcanjos e Anjos e Serafim - mas também, e principalmente, o Povo Judaico, que, mesmo se reconhecendo diferente, e permanecendo mais ou menos à parte, trabalha e compartilha seus recursos para o bem do país onde mora.
E é claro que, juntos, a brasileirinha e o menino judeu salvam o Brasil e a humanidade da destruição da Amazônia.
Pois é. Meu livro está pegando poeira no Clube de Escritores. Mas também, 99% do mundo nem sabe quem é Chaim Potok...
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 06/09/2017
Alterado em 12/09/2017