Dalva Agne Lynch
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VOCÊ NÃO SABE

Dalva Agne Lynch


O aprendizado do Abismo, o aprendizado último da vida, é a desintegração da dualidade ser/não-ser e, com ela, a desintegração de todos os opostos. Até lá, a oscilação entre estes opostos, a dialética aparentemente eterna do Universo, ainda nos assombra, e ela aparece, a nossos sentidos, como falhas.

E como essa visão nos afeta, nós, seres ainda em processo de formatação? Sim, formatação. Já fomos formados como seres humanos. Agora nos resta fazer todo o processo de formatar esse material bruto, essa página escrita que se nos foi dada, com tantos dados e tantas frases cheias de falhas.

Ah, sim, há muitas falhas na vida e na Arte. Aparentemente, até o Criador cometeu erros, ou permitiu que acontecessem. Mas... será isto verdade? Ou será que tais "falhas" no Universo parecem como tais apenas porque a humanidade, em sua maioria, está cega à beleza que se esconde nas falhas, e sente-se incapaz de revisar, acrescentar, moldar, esculpir o material falho que lhe coube?

Porque o segredo está não na perfeição de frases, de formas, de sons, ou mesmo na perfeição da vida - mas nas falhas. No que ficou um pouco aquém do que pensamos que deveria ser.

Porque então o homem busca pela sua causa e por uma solução, e descobre em si a Arte - e, no Cosmos, os segredos do Universo.

Veja bem a maravilhosa escultura de David, de Michelangelo. Assombramo-nos perante sua beleza perfeita! Mas o que há por detrás dela? Conta a História que Michelangelo utilizou em sua feitura um bloco de mármore que, por ser considerado imperfeito, havia sido rejeitado por muitos outros escultores.

Do pedaço de pedra rejeitado, Michelangelo criou uma das mais perfeitas obras de Arte que já foram feitas.

Assim também somos nós - blocos imperfeitos de humanidade bruta, cheios de falhas, sendo cinzelados, moldados e formatados por mãos de Artista, em belas e perfeitas obras.

E que mãos, perguntaria você, seriam essas que o moldam? Baixe os olhos, amigo ou amiga. Olhe para suas mãos. Não importa o bloco imperfeito que as circunstâncias e condições desta vida lhe entregaram - como Michelangelo, o importante é que você consiga ver, em seu emaranhado imperfeito, tão aquém do que deveria ter sido, a configuração final de seu próprio eu.

E não espere que mão alguma faça por você aquilo que lhe cabe, ou seja: moldar, com o material que possui, a mais bela obra de Arte que seu espírito possa conceber.

Talvez você não seja um Michelangelo. e sua vida, mesmo depois de muito trabalho e muito esforço, não pareça ser nenhuma estátua de David. Mas pense bem: um quadro de Van Gogh tampouco é a estátua de David, nem um campo semeado é um quadro de Van Gogh. Todos eles, contudo, possuem a mesma beleza e a mesma perfeição - cada qual em sua própria estrutura e em seu próprio contexto.

Certa vez Sam, meu filho mais novo, pegou-me destruindo diversos de meus quadros.

"Por que você está fazendo isso?", perguntou ele.

"Porque eles são lixo", respondi.

E a resposta que ele me deu tem sido a maior força que me leva adiante, e que, espero, impulsione também você a continuar à frente:

"Mãe, VOCÊ NÃO SABE."

Sim, amigo ou amiga. Você não sabe. Continue a moldar seus dias sem dar uma segunda olhada para circunstâncias e condições, para o que poderia ter sido, para o que talvez nunca será.

Nunca olhe para sua vida com os olhos daqueles escultores que rejeitaram a pedra de David. Veja-a com os olhos do Mestre, olhos que perceberam toda a beleza de sua futura obra mesmo em um bloco rejeitado por todos os demais.

Você, amigo ou amiga, é uma obra de Arte. Não rejeite, você também, a pedra imperfeita de sua vida, assim tão cheia de falhas. 

Lembre-se: VOCÊ NÃO SABE.


fig. David, de Michelangelo
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 02/09/2007
Alterado em 12/03/2011
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