Dalva Agne Lynch
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Textos

A sequência de poemas que se segue foi uma troca entre Jag e eu, em janeiro de 2004. Jag foi não apenas um grande poeta e uma pessoa maravilhosa, mas também um amigo fiel e dedicado que divulgou e fez a distribuição de meus livros em Portugal. Tenho muitas saudades de Jag! Espero que gostem dos poemas abaixo:


CARTA PARA JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
 
© Dalva Agne Lynch
 
 
 
São tuas palavras que me atormentam!
E elas me atormentam porque são tuas.
Ah, tens amor e beleza e vida e credo
Por que tiveste então, dize-me
Que tomar para ti o único tesouro que me restava
E lançar à minha solitária face desvairada
As palavras que inutilmente busquei?
Elas se me escarnecem, as tuas palavras
Como as cores de Gauguin escarneceram
O  tresloucado pincel de Van Gogh!
Devo cortar-te algum pedaço que ainda me reste?
Mas nada mais me resta que te possa servir!
Ah, que cantes então, cruel sem que nem o saibas
E povoes os ares e os céus e as estantes
E o presente e o futuro e o infinito
Com a beleza das palavras que não tive!
E no desalento com que agora te escrevo
Não te posso dar nem mesmo o vazio do silêncio
 Ou a paixão desenfreada e sangrenta
De uma carta de amor...
 
 
SE A CARTA TIVESSE NOME
O SEU NOME ERA O DE DALVA


₢ José Antònio Gonçalves

 
imaginemos uma carta sem nome. apenas
papel e um delta de palavras, palavras quietas,
ainda frescas na imensidão das suas águas suaves
e profundas como os versículos de qualquer livro
sagrado. inventemos um sentido para cada frase,
um cesto de vindimar palavras como quem as colhe
na parreira e espera que o seu fermento as transforme
em vinho. deixemos que por cada letra haja um bago
de uva luzidia, apelando a um pouco de atenção a
coroar a sua condição líquida. o seu destino de saciar
a sede dos viandantes. a sua missão de percorrer todos
os desertos do mundo onde alguém suspira por um trago
de sonoridade lírica. pensemos que essas palavras cabem
no espaço do remetente, no lugar com a rima do lagar
e o sonho dos criadores de orações. digamos que alguém
reza, baixinho, compassadamente, entregue ao silêncio
da sua própria oratória de compromisso divino, repetindo
sempre o mesmo apelo, como as linhas de um novelo
infinito, imparavelmente. e rende-se. volatiza-se na luz
de outra era, iluminando os gatafunhos que um dia
tiveram significado no derrotar cerce da escuridão, sem
desfazer os nós dos laços que abraçam o organdi, o linho
e a brisa prateada em que dormem os santos. esqueçamos
tudo isso e permitamos que amanheça entre estrelas e luas
de alvura incomensurável, depositadas no madeirame triturado
do pergaminho. escrevamos o seu nome, nomeando-o no seu
rosto, marcando-o a tinta indelével, como se a multidão
cantasse em louvor de um homem. como se ele sozinho
mudasse a fatalidade do giro do mundo e segurasse uma bandeira
entre os dedos, apontando para a terra. nela germina a semente,
a esperança que se derrama pelos mares e pelos céus, no coração
das árvores e na imponderabilidade dos ventos. chama demorada
de uma combustão absoluta de todas as almas. nenhuma pode
ser salva. como o seu nome, ainda por nomear na reconstrução
basilar de todos os alfabetos. poeta e mulher. musa e estrela.
fontanário e regato. floresta e flor. espuma branca do oceano.
alada. estrela e de novo lua. dalva. sobrescrito destinado
à grande viagem, com o selo integrado do amor.


LUZES DO VÁCUO
 
(em resposta a Jag)
 
© Dalva Agne Lynch
 
 
Tormento em tormenta
Prece em grito
Porque não há estrelas
Além das que povoam
o Infinito...
Quanto a nós
Somos meros grãos
Poeira de Luz
Preenchendo os vãos
Entre a Beleza
E a Cruz...


A MUSA E O POEMA

a Dalva Agne Lynch

₢ José Antònio Gonçalves
    

eu te saúdo rainha serena e benzo
a omnipotência da palavra trazida
pelo mensageiro da longa distância,
desse éden onde a tua voz impõe silêncios
e os frutos se espalham disponíveis
pela areia da poesia, arejando de sabedoria
o vácuo contínuo dos desertos no coração
do homem. rendo-me à salvaguarda dos dias
ao mistério das noites e absolvo todos os pecados
como se um deus invisível me outorgasse
a fruição desses poderes. à minha ilharga
alguns filósofos sustentam as tendas da sombra
em que se refresca o conhecimento fugaz
e etéreo que me ilumina o caminho. és rainha
e princesa da tua jornada, escultora e estátua,
poeta e verso, pintora e modelo, cantora
e cântico. és a razão da arte, a pedra escrita,
o veludo que se me apega ao corpo. a multidão
que me habita, o instigar do carrasco à utilização
do gládio. a ara do sacrifício supremo. a lírica
e o seu dilema. a musa e o poema. assim ocupo
a minha toca, a gruta onde se espraia a página
ainda imaculada, ameaçada pelo negrume
da tinta da escrita, sonhando com outros dias,
novas sensações, amores aquáticos, mãos
de plumas, asas de pássaro, bandos de rimas
vestidos de sonatas e alimentados a sinfonias.
e numa viagem demorada pelo lume de outras eras
desfaço-me na bruma da espera, destruindo
e reconstruindo as ruínas dos palácios inventados
como nuvens perdidas nos ventos
das suas próprias quimeras.

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 27/03/2008
Alterado em 30/01/2009
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