Da Kabbalah e o amor maior
Dalva Agne Lynch
A bela mulher da foto acima é Marília Valverde, a Marverde da Net, co-proprietária do blog Resistência Democrática (endereço em meus Links). Foi em homenagem a ela que escrevi o texto que se segue:
Muitas vezes uma palavra chega a nós como "maçãs de ouro em salvas de prata", como diz o Rei Salomão nos Provérbios. As palavras de Marverde, a bela mulher que se dedica a expor na Net os horrores de governos curruptos e de homens empedernidos, são, para mim, essa maçã de ouro em salva de prata. E isto me fez meditar sobre meu papel, como mulher e como artista, no nosso mundo de hoje.
Segundo a Kabbalah, quando o Peregrino ultrapassa o Rio da Separação - o Abismo, Da´at - o que ele foi anteriormente perece, e é um novo ser que emerge do outro lado, preocupado não mais com as coisas pessoais, mas com o estado do resto de seus semelhantes.
Na minha peregrinação pelas Sefirot (os Portais da Árvore da Vida), tive curiosidade em saber se as coisas eram realmente assim. Mas a curiosidade morre junto ao seu antigo eu, quando você se afoga no Rio Stix.
Assim, quando ultrapassei o Portal de Binah (a Sefirah do Entendimento, o Portal que segue ao de Da´at), havia esquecido até meu próprio nome. Levou-me meses - mas precisamente 9 meses - para recuperar a memória, se bem que jamais recuperei as experiências vividas em Da´at (entre junho de 2004 e 29 de julho de 2005).
Mas o mais estranho de tudo é a mudança que percebi nos meus textos. Antes cheios de paixão, de amor, de afirmações dos meus direitos como mulher, ou de busca por um sentido espiritual maior, todo o meu trabalho passou a estar voltado às questões sociais. Não mais me interessa agora questões religiosas, peregrinações transcendentais, amores e desamores.
O que passou a importar foi a dor da mulher muçulmana, aprisionada em seus véus; a mulher cansada carregando o peso do sustento dos filhos, abandonada pelo companheiro; a menina estuprada pelo próprio pai; os meninos e meninas em frangalhos, frutos da guerra dos homens; os homens famintos, cansados e sobrecarregados, sob governantes corruptos; o comércio de corpos, cuja consequência é uma geração inteira de mulheres-silicone.
Ninguém me avisou que Binah doía tanto - talvez porque, em Binah, não haja muita gente. Ninguém quer sofrer a dor do próximo, quando as suas já são tão pesadas.
Mas em Binah encontrei outras pessoas, que atravessaram o Portal do Entendimento não através de uma peregrinação espiritual, mas através de Chesed, o Portal do Amor, que corta caminho direto do Segundo Ternário para o Terceiro, sem passar pela morte.
Quem nasceu com a maravilhosa dádiva do amor maior, como Marverde, não precisa morrer para si mesmo para atingir o Entendimento, para penetrar o Portal do Entendimento maior. Por sinal, esta é a verdadeira mensagem do Cristo, no Novo Testamento: "é necessário nascer denovo"; "é preciso ser como uma criancinha para entrar no Reino dos Céus"; "o amor cobre uma multidão de pecados". Você não precisa estudar anos para chegar ao Terceiro Ternário do crescimento espiritual - basta ter misericórdia. É simples assim.
Em outra instância, a Torah afirma que o homem precisa estudar as Escrituras para chegar a D´us - "mas a mulher será justificada através da criação dos filhos". E por que isto? Porque a mulher aprende o amor maior aos pés do berço. Ao contrário do que proclama o Islamismo, segundo o qual a mulher não possui uma alma, portanto não pode entrar no Reino dos Céus (juntamente com os camelos e os cães), aqui vemos a mulher já assentada nos Reinos Superiores, justificada através do amor com que guiou os filhos.
Tudo isto para dizer à Marverde que agradeço a existência de mulheres como ela, e recebo suas palavras de elogio com a humildade de alguém que precisou peregrinar 50 anos para chegar onde ela, com sua radiância, beleza e suavidade, chegou apenas sendo o que é: uma mulher íntegra e cheia de misericórdia.
À Marverde, mulher exemplar, ofereço hoje a minha espada.